quarta-feira, 14 de julho de 2010

Histórias nunca contadas de um jovem missionário


Como de costume a noite estava muito fria, tomei um banho bem quente e me arrumei para o culto. Como um bom pentecostal, terno e gravata, sapato bem engraxado. Iniciou o culto, cantamos canções, oportunidades para os irmãos da igreja, muitos glórias e aleluias, muita benção. Preguei não me lembro o que, mas me lembro que, como sempre, terminamos com uma oração, benção apostólica. Conversei com alguns irmãos e todos se foram, cada um para a sua casa.

Eu, no entanto, voltei para a minha realidade, um quarto onde cabia uma cama de casal, guarda roupas, tábua de passar, mesinha e banheiro. Até onde me recordo entrei no "quarto" e percebi algo que me seguia, não sei se era apenas fruto de meu psicológico abalado por estar completamente sozinho e enfrentando todo tipo de dificuldade "ministerial". Ou se era na verdade algum espírito desencarnado a fim de tirar a pouca paz que eu ainda tinha.

Lembro-me bem, me senti oprimido e aflito, ajoelhei-me frente à cama e pus-me a chamar pelo único que poderia me ajudar naquela situação: "Jesus, me ajuda, há poder no teu nome e no teu sangue. Ajuda-me a enfrentar essas dificuldades, repreende os espíritos maus, pelo poder que há no teu nome [...]". Essa era a minha oração, suplica, desespero, rogo, choro.

Dormi. Acordei às 3h para orar, o que fazia normalmente e com muita facilidade. Peguei minhas folhas com pedidos de oração, onde tinham nomes de irmãos, conhecidos e outros que nem sabia quem eram. Comecei a orar e a citar nome por nome, pedindo a graça e misericórdia de Deus sobre cada um. Terminei a oração, mas continuava angustiado e muito aflito.

Lembrei-me que haveria uma reunião de oração às 5h30min na casa de uma irmã. Tomei banho, me arrumei, pensei: "não há ônibus essa hora, mas vou assim mesmo, a pé". Cerca de 2 km caminhando, em meio às ruas escuras, não havia ninguém. O medo e a opressão se apoderaram de mim de tal forma que me senti perseguido por algo, ou alguém. Andava muito rápido, sentia frio, orava.

Cheguei. Cumprimentei os irmãos como se nada tivesse acontecido, ajoelhei-me para orar: "Senhor meu Deus e meu Pai [...]" vieram-me as lágrimas, chorei como uma criança, soluçava. Fui abraçado por uma irmã que até hoje me é muito querida, irmã Carmem, chorei com ela e ela comigo. Senti-me aliviado, leve, pacificado.

Disse-me a irmã Carmem que naquela madrugada havia sonhado com uma criança deitada num travesseiro e que havia um momento em que a cabeça da criança saia do mesmo e ela começava a chorar muito, compulsivamente. Então vinha uma grande e forte mão e colocava novamente a cabeça da criança no travesseiro de forma que ela se aquietava. Antes que ela me falasse eu já havia interpretado ser a criança e a mão a de Deus.

Aprendi algumas coisas com esse episódio:

Alma aflita não “pisa” no diabo.
Alma aflita precisa de amigos e auxílio.
Alma aflita corre até do seu próprio psicológico.
Alma aflita imagina os mais terríveis demônios em perseguições implacáveis.

Para a alma aflita a palavra Rhema não funciona, muito menos a confissão positiva.
Para a alma aflita o psicológico pode ser o maior inimigo a ser vencido.

Aprendi que o Amor de Deus é maior do que qualquer perseguição que possa haver, que amigos são importantíssimos na caminhada, que a oração não pode resolver tudo, mas que é um ótimo início o orar.


Aprendi que não é uma boa idéia andar sozinho, sem amigos, companheiros na estrada da vida.

E finalmente, aprendi que ser missionário não é fácil, ainda mais quando se é enviado com 19 anos para um lugar desconhecido, longínquo e frio.*

Em nome da religião fazemos coisas loucas, mas até em meio a toda essa loucura conseguimos ajudar e ser ajudados, amar e ser amados.


* Para os que não sabem, fui missionário nove meses na cidade de Santana do Livramento – RS, fronteira com Rivera – Uruguai. Essa e outras histórias nunca foram publicadas em sites ou blogs, sendo apenas conhecidas por alguns amigos pessoais.

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